Imaginamos o Chiado em 1900. Não havia a Brasileira. A Brasileira só seria inaugurada em 1905. Eça de Queiroz não conheceu a Brasileira. Na altura em que por ali existiu, ou forjou existências, o pólo aglutinante era a Casa Havaneza. Mas o Chiado era já o centro da elegância e da intelectualidade. Notam-se, em comparação com o tempo presente, grandes diferenças. O espaço era menos compartimentado, mais livre. O tráfego reduzia-se essencialmente ao eléctrico que seguia a Rua da Misericórdia e eventuais carroças ou caleches. O Largo do Chiado ligava-se ao Largo de Luís de Camões, era uma zona aberta. O trânsito humano era em menor número. E observavam-se, basicamente, as três classes sociais clássicas: povo, burguesia e aristocracia. O povo era invisível, a burguesia exibia fatos janotas e a aristocracia salientava-se pelo luxo e extravagância da roupa. Uma senhora, de escuro, chapéu alto de plumas, o corpo desenhado numa forma com as curvas acentuadas, mas duma forma deveras pudica, uma forma maciça onde encaixava a mulher. Esta mulher, quando passava, destacava-se notoriamente do fundo. E era, com certeza, uma figura conhecida, de família identificável. Podíamos encontrar poucas figuras como esta. Por isso a sua presença era tão flagrante e essencial à composição da personalidade do local.

Contemporaneamente, a massa humana que investe no local, encurralada nos passeios, tropeçando na monstruosa saída do Metro, é uma massa indiferenciada onde nenhuma peça é excêntrica. É um sinal dos tempos. Tempos igualitários, normalizados pela democracia. Não há contrastes, somente pessoas normais e turistas. Só uma celebridade poderia sobressair do movimento constante de passeantes. É um tempo de celebridades. Mas as celebridades são foleiras, não frequentam o Chiado com frequência e estarão, portanto, sempre deslocadas: uma espectacularidade por desadequação, concorrendo com os carros e os engolidores de fogo. Nestes tempos, o que há de mais atraente no Chiado sou eu, quando subo, de óculos escuros e uma gentil t-shirt. Moreno, alto, de ombros direitos.

Django