"Todos os pares se imobilizaram, excepto o do fundo. Toda a gente estava de olhos postos nos dois que agora baloiçavam mais rapidamente, seguindo o seu próprio ritmo sinuoso.

— Meu Deus — exclamou Jasmin —, eles estão a foder! — E gritou para os assistentes do contra-regra: — Se querem voltar a trabalhar em Londres, é melhor irem separá-los e pararem com esses sorrisos idiotas. — Depois, dirigindo-se aos pares, ordenou: — Desapareçam e voltem daqui a meia hora. Não, não, fiquem nos vossos lugares. — Virando-se para Dale, disse com voz rouca: — Lamento que isto se tenha passado, querida. Imagino como te deves sentir. É uma coisa nojenta e indecente e a culpa foi minha. Devia tê-los passado em revista antes de começarem. Mas não vai tornar a acontecer.


Enquanto falava, Dale foi dando golpes pela coxia acima até desaparecer. Entretanto, o par continuava a baloiçar, agora sem música. Só se ouvia o ranger do tablado sob a carpete e os gemidos suaves da mulher. Os assistentes do contra-regra permaneciam estáticos, sem saber o que fazer.


— Separem-nos! — gritou Jasmin de novo.


Um deles puxou o homem pelos ombros, que, de tão suados, lhe escorregaram das mãos. Jasmin virou-se de costas, com lágrimas nos olhos. Era inacreditável! Os outros, satisfeitos com o intervalo, tinham-se posto de pé, a olhar. O assistente do contra-regra que tentara puxar o homem apareceu com um balde de água. Jasmin assoou-se.


— Não sejas ridículo! — coaxou. — Já devem estar a acabar.


Ainda não terminara a frase quando o par foi sacudido pelos últimos espasmos. Separaram-se e a rapariga correu para o camarim, deixando o homem sozinho. Jasmin subiu para o palco e interpelou-o em voz trémula e sarcástica:


— Muito bem, Portnoy, já fizeste o gosto ao dedo? Sentes-te melhor agora?


O homem estava de pé, com as mãos atrás das costas. A picha, irritada e pegajosa, descia-lhe em pequenas palpitações.


— Sinto, sim, Mr. Cleaver, muito obrigado.


— Como te chamas, meu lindo?


— Cocker.


Na plateia ouviu-se uma espécie de resfolgar. Era Jack, naquilo que nele constituía a expressão mais próxima do riso. Os outros apertavam os lábios. Jasmin inspirou profundamente.


— Bem, Cocker, tu mais o boneco guedelhudo que tens aí pendurado podem rastejar para fora deste palco. Espero que encontrem uma valeta à vossa medida.


— Muito obrigado, Mr. Cleaver. Tenho a certeza de que havemos de encontrar.


Jasmin dirigiu-se para o auditório.


— Os outros, preparem-se para recomeçar.


Sentou-se. Havia dias em que só lhe apetecia chorar, chorar a valer. Mas, em vez disso, acendeu um cigarro."



Ian McEwan
, "Cocker", Primeiro amor, últimos ritos, 1975
Tradução de Ana Falcão Bastos, Gradiva, 1988







































"Maravilhas de Portugal"
"Em diferentes escalas" (colectiva)
Espaço Avenida
Avenida da Liberdade, 211, 1º D, Lisboa
Quinta e Sexta, 17:00 - 20:00
Sábado e Domingo, 15:00 - 20:00
10 a 27 de Abril de 2008


"Quando se quer dar a conhecer uma cidade, o procedimento usual é compilar os monumentos e espaços públicos mais famosos e mais representativos do local."










































Espaço Avenida
Avenida da Liberdade, 211, 1º D, Lisboa
Quinta e Sexta, 17:00 - 20:00
Sábado e Domingo, 15:00 - 20:00
10 a 27 de Abril de 2008


"Momentos vividos em lugares esquecidos no Mundo, dotados de uma sublimidade alcançada por efeitos atmosféricos, forças naturais na sua pujança.

Convulsões de formas que tendem a dissipar-se umas nas outras e que se revelam numa ambiguidade subtil. Assim o espectador é encorajado a contemplar em particular, fragmentações de espaços que a posteriori dão origem a um novo Todo, partindo-se assim para uma construção compositiva em forma de grelha. "










Não é muito sedutora a imagem de um Polícia a apontar uma arma para mim, para o veículo, para verificar informações injectadas no Chip. É o cenário de um quotidiano agressivo e policiesco. O meu carro filado. Sensação semelhante à de ter incrustada uma pulseira electrónica. Num tornozelo. Como um pombo. Ou um cadastrado infame. Ser considerado um cadastrado em potência. A pulseira a apertar se eu não reagir a uma ordem categórica. A pulseira viva, apertando a carne, cortando a circulação, produzindo dores excruciantes. Uma perna inutilizada, inchada, vertendo sangue.

O sangue também monitorizado e alterado, biotransformado, envenenando-me, emitindo sinais de alerta, origem de relatórios e conjecturas, delícias da Bio-Polícia. E eu caído, com a perna roxa, arrastando-me. Mal. Sou um empecilho tombado à beira da estrada, pronto para ser recolhido por um dispositivo mecânico securitário que patrulha as ruas da Cidade.

Ou ser atingido por um raio imobilizador disparado por um elemento das Forças de Segurança do Omni-Estado. Após detectadas hipotéticas irregularidades o raio fere a viatura motorizada, deixando-a inerte. O condutor, eu, saio, recuando atemorizado, sou também atingido pelo fluxo brilhante e incandescente que jorra da arma. Caio fulminado, como numa banda desenhada da Marvel. A BD é a realidade.
















[Émon. Exercícios de estilo. 4] Émon está sentado no chão, encostado a uma parede, uma mancha verde, um montículo de ossos dobrados. À sua frente, o homem-activo agita-se, percorre o pavilhão, transporta vigas de madeira. Por isto, por ter este hábito, ou outros com igual exigência de força física, tem a musculatura desenvolvida e executa as suas actividades com leveza e elegância. T-shirt, calças justas, botas bicudas, tudo preto. Os braços nus, lívidos. Segura uma viga com a mão direita, uma viga comprida. Manipula-a com a força de um só braço, coloca-a paralela a outras, enquanto anda: pernas de perfil, passada larga, tronco a três quartos, olhando para a frente. Constrói estruturas paralelas e ortogonais ocupando todo o solo do pavilhão. Ouvem-se, ritmadamente, sons, do contacto dos materiais e do eco. Depois este homem-activo desconstrói as estruturas e cria outras novas. É este o seu trabalho de atelier.

No chão, Émon extrai duma perna uma pequena bolsa rectangular forrada com um tecido impermeável de cor violácea. Abre: é um microcomputador. À direita, na vertical, está encaixado um cigarro de haxixe. Acende-o. O fumo sobe numa linha recta. Émon liga o computador ao cérebro utilizando um cabo que introduz num orifício situado sobre a orelha direita. Filma o homem-activo utilizando os olhos como objectivas. O homem-activo percorre as suas estruturas incansavelmente e dá voltas ao atelier durante sessenta minutos: a duração do filme registado pela cabeça-computador de Émon, alterado pelos fumos do haxixe.

O homem-activo senta-se ao lado de Émon. Temos agora uma mancha negra junto de uma mancha verde, que se destacam de um fundo branco, tendo em frente estruturas geométricas elaboradas com vigas de madeira que se prolongam no espaço. O homem-activo encosta a cabeça à do seu vizinho e recebe vibrações, mensagens contraditórias, fluxo intelectual que lhe chega em rede, do computador, da cabeça de Émon. Imagens, flashes luminosos, teoria, vozes, matemática. Após um breve período consegue distinguir a linguagem molecular exclusiva de Émon, que passa para o seu corpo, entrando na corrente sanguínea. Contém essências de Émon, muito agradáveis e pacificantes. E contém também elementos seus, produzidos enquanto deambulava pelo espaço interior.

Essências e elementos alimentam-se de um e do outro, fundem-se e desenvolvem-se em originais e belas combinações. O fluxo mantém-se, passando de uma cabeça para a outra, indo ao computador e voltando. Gera-se uma nova forma de vida com início no homem-activo. Os seus braços lívidos ganham qualidades incandescentes, enquanto à volta dos dois se forma uma aura vermelha. Que solidifica, partindo-se depois como um molde de cera. Eles ficam intactos.

Django






























































André Guedes
"Better Days, For These Days"
Rua Tenente Ferreira Durão, 18-B, Lisboa
Terça a Sábado, 10:00 - 20:00
24 de Abril a 31 de Maio de 2008


Sequência Final
, 2007, difusão sonora dos dez últimos minutos do filme L’Eclisse (1962) de Michelangelo Antonioni [música de Giovanni Fusco, som de Claudio Maielli] durante os dez últimos minutos de abertura de um espaço / Better Days (Eckland), 2008, revista Il Dramma, nº3, 1969 / Better Days (Vitti e Sordi), 2008, revista Il Dramma, nº10, 1969 / Better Days (Degermark), 2008, revista Il Dramma, nº1, 1969 / Better Days (Delon), 2008, revista Il Dramma, nº7, 1969 / S/Título (Vestíbulo I), 2007, planta artificial e cinzeiro provenientes de um cinema / S/Título (Corrimão), 2007, painel em aglomerado de madeira revestido a tecido proveniente de um cinema / Calendário I, 2007-2008, três cadeiras e um sofá utilizados sucessivamente entre os anos 1960 e 2007 no vestíbulo de um cinema / S/Título (Dois patamares), 2007, réplica de dois espelhos de um salão de cabeleireiro, posteriormente instalados na escadaria de um cinema / S/Título (Vestíbulo II), 2007, caixa em madeira revestida a melamina proveniente de um cinema / S/Título (Arrecadação), 2007, cadeira de repouso proveniente de um cinema / S/Título (Escadaria), 2007, réplica de um cortinado de um cinema; estrutura em ferro / S/Título (forma de uma obra anterior), 2008, painel em contraplacado de faia semelhante a uma obra concebida anteriormente; acção realizada por um conjunto de cinco pessoas; diaporama de slides em dois projectores (duração: 6’ 50’’) / S/Título (Vão), 2008, pedaços de relva em plástico provenientes de um cinema.






















































Pedro Cabral Santo
"Tilt"
Centro de Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian
Rua Dr. Nicolau de Bettencourt, Lisboa
Terça a Domingo, 10:00 - 18:00
13 de Março a 22 de Junho de 2008