Maria Teresa Silva
"Real Barraca Without a care"
Espaço Avenida
Avenida da Liberdade, 211, 1º E, Lisboa
Quarta a Sexta, 18:00 - 22:00
Sábado e Domingo, 16:00 - 21:00
14 a 30 de Março de 2008


Situados geralmente em zonas de reestruturação urbanística e humana, a disseminação de espaços alternativos no circuito artístico e expositivo é cada vez maior. Pelas características que apresentam, estes espaços funcionam quase sempre como um desafio aos artistas que neles expõem. O espaço Avenida, no número 211 da Av. da Liberdade, enquadra-se em grande medida no que se entende por espaço de intervenção temporária; um lugar que se encontra à disposição da criatividade artística e que se presta ao site specific.

Trabalhar neste género de espaços não é algo estranho para Maria Teresa Silva. Os seus projectos partem usualmente de lugares com história, memórias, mais ou menos desconfortáveis. A impossibilidade de comunicação escrita e verbal, os domínios público e privado e a fugacidade da memória são algumas das temáticas que utiliza como fio condutor.

A artista tem exposto em espaços que não se regem pelas normas institucionais do white cube. A Casa 372, por exemplo, foi um projecto site specific concebido numa casa no Porto para o Evento 5.0. A peça de som apresentada (descrição verbal das várias divisões escolhidas) partia da relação passível de estabelecer entre o lugar e as memórias que o habitavam. No projecto para o edifício Interpress (antiga gráfica onde era impresso o Diário Popular), desenvolveu uma pesquisa sobre o ensino nas escolas primárias durante o período do Estado Novo. Intitulado A História Como Qualquer Coisa de Provisório, o projecto tinha por referente a Revolução de 1974, tema proposto pela Escola Maumaus no âmbito da LisboaPhoto 03. Como resultado, ‘desenhou’ a exposição e através de uma performance fez uso dos elementos que o espaço frio e decadente podia oferecer. Um dos últimos trabalhos, foi o projecto desenvolvido na Bartolomeu5 em 2005. Noventa e oito por quinhentos e setenta e sete funcionou como uma instalação site specific, no corredor e na entrada de um andar num prédio de habitação do séc. XVIII, em Lisboa. O papel de parede com um desenho em relevo delicado, no edifício em mau estado de conservação, foi o contraste encontrado para o desenvolvimento do projecto que tinha como intenção reflectir sobre a ideia deste lugar poder ser privado ou público, sobre as diferentes maneiras de o habitar e sentir, modificando-o de forma a que o público questionasse se o espaço estava ou não a ser habitado naquele momento.

Ao contrário dos outros projectos, Maria Teresa Silva não desenvolve para o espaço Avenida uma instalação site specific. Procurou antes adaptar um projecto com 5 anos, que estava à espera de um lugar que reunisse determinadas condições necessárias à sua realização. A escolha de um espaço expositivo que não fosse neutro (ausente de memórias e vivências) era fundamental para retirar proveito do estado em que se encontrasse e transformá-lo de forma a encenar determinado contexto ou ideia.

O projecto Real Barraca Without a care teve como ponto de partida a visita a dois palácios. Um deles foi visitado pela artista em contexto turístico na companhia de amigos, onde decidiu gravar o som da visita guiada. No outro palácio, tinha definido fotografar algumas das salas fora do âmbito de uma visita guiada, sem pessoas. Com a distância temporal de cinco anos desde ambas visitas e a data da exposição, a peça de texto traduz o domínio mais pessoal da memória das três pessoas que em conjunto visitaram o primeiro palácio. Desta experiência resultaram três peças que ocupam agora quatro salas do espaço Avenida e constituem a instalação expositiva composta por slides, áudio e texto.

Os palácios fazem parte da história e do imaginário infantil. Outrora lugares privados, são hoje lugares públicos que despertam por vezes um certo fascínio no visitante, ou são vistos como ambientes kitsch distantes da realidade contemporânea. Locais dirigidos por uma série de parâmetros que o turismo cultural impõe, no que diz respeito à hora das visitas, à restrição nas filmagens e fotografias, ou ao próprio percurso que é previamente estabelecido, estas circunstâncias despertaram na artista uma vontade de subverter as imposições e restrições colocadas. Os percursos que fez processaram-se de forma diferente. Durante a primeira visita, o som foi gravado de forma sub-reptícia, e para fotografar o outro palácio ultrapassou várias etapas até conseguir autorização.

Trata-se de um projecto que explora as noções de acesso, percepção e interpretação na ligação com o domínio público e com os condicionamentos impostos pelo turismo cultural ao funcionamento do património — condicionamentos que acabam por ser mais ou menos comuns a sítios congéneres. À incerteza do estado inicial do projecto, como um ensaio ou uma experiência com contornos operativos ainda por assumir, alia-se um intervalo temporal que permitiu definir o próprio processo criativo. A artista recria um certo ambiente, onde cada pessoa é convidada a imaginar/rememorar sobre o que ouve e o que vê.


Sandra Lourenço