[Émon. Exercícios de estilo. 5] Na casa cubista todos os planos estão quebrados. Caídos ou deslocados. De todas as vistas se observam os alçados metidos num só. De uma vista vêm-se todas as vistas. E às vezes alguns interiores. Um plano horizontal passa a vertical e Émon estatela-se no cimento fresco, amachucando-se. Amassando o polo verde e as calças verdes, que logo readquirem a sua elasticidade e postura descontraída, mas o rapaz de sorriso sincero enche-se de feridas e marcas negras no corpo, particularmente nas articulações. Agarrado a um joelho, não refeito da queda, precipita-se na direcção do céu azul, cai por andares curvos rasgados de massas rectilíneas, por uma abertura curvo-rectilínea de paredes duras, suaves e macias, em direcção ao azul, rodando sobre si, queda alucinada completada na fusão de todos os elementos, uma superfície preta espelhada. Preto brilhante, brancos e cinzas, mas sobretudo escuridão. A meio do plano uma criatura despida sentada num cadeirão, de costas direitas, iluminada por detrás. A luz cai-lhe na nuca espalhando-se pelos ombros em gradações de cinzas, entregando realismo à extensão da pele, revelando poros, pilosidades amigáveis, composição muscular em rotundidades. A criatura tem o queixo assente no polegar, o rosto em sombra, os pés descalços no chão, a pose alheia. Uma criatura número dois desliza, impecavelmente despida, expondo uma barra tintada de preto a meio do corpo e a zona superior em branco espesso. A criatura número um ergue-se, deslizando em direcção à dois que a recebe e se encaixa nela soltando uma aberração pelo pescoço, perdendo a cabeça em espirais destroçadas multiplicantes, formações replicantes que preenchem o fundo negro com invasões brancas de geometrias irregulares.

A cor regressa em tons amarelos e laranja. Uma fornalha estelar apresenta-se a Émon. Radiações luminosas que não o cegam, pela frente passam planetas vermelhos que se destacam, possuidores de um halo nos seus limites. Émon está espatifado, apresenta equimoses ruidosas e laivos de sangue. Está caído e mexe-se com dor. À sua direita há um grande rolo de manteiga, estriado, que emite calor. Desloca-se e absorve-o. Brilhos de espelho partido, realidades difusas dispostas num plano que Émon atravessa estilhaçando — seios rosa de mamilos carnudos e vermelhos onde os lábios se colocam, olhos, papoilas, pétalas, quadrados justapostos de diferentes cores. Émon penetra distintos objectos, é penetrado por outros, numa sucessão que não tende para um fim, chicoteado por fragmentos, cores, lascas de madeira que lhe retiram a roupa e se fazem abrasivos na pele. Uma borboleta vermelha bate-lhe no rosto enchendo-o de pó. Uma animação de grande fisicalidade enche o espaço, afaga-lhe o corpo, a grande velocidade, imparável. São cores que o enchem de prazer. Um turbilhão. Não pára.

Continua. Sensações sucedem-se. Molhado. Viscoso. Chupado. Duro. Escuro. Aguçado. Inteligente. Émon é coberto por uma molécula húmida e cuspido para os braços da casa cubista, branca, possuidora de tentáculos rectilíneos e curvos que se abrem e fecham numa fresta de céu. O rapaz pegajoso atravessa a fenda e pousa no azul com estrondo, os membros num embate final, as nádegas esborrachadas, omoplatas sofridas, a cabeça afundada — salva amigavelmente. As mãos tocam a quietude. Uma perna ergue-se, flectida no joelho, possibilitando à planta do pé e dedos sentidos pacificadores. Descontracção assistida espalhada a todo o ser. Sorriso vencedor. Émon alonga-se, espoja-se, sente-se invadido por uma vegetação rasteira que o massaja e festeja, entrando-lhe nos sovacos, nas orelhas, na cabeça descendo para a testa. Nas pernas, no abdómen, no peito. As mãos sentem-no, percorrem-no. Um mamilo, uma coxa. A vegetação à sua volta e debaixo de si. Uma respiração funda. Uma brisa. Um raio de sol.


Django