Django era um male escort. Um rapaz moreno, esguio, de ombros redondos e cabelo encaracolado. Gostava de pôr uns Ray-Ban de lentes castanhas e hastes douradas que lhe saíam para fora da cara. Nos tempos livres escrevia. Conheci-o uma noite, num restaurante. Cruzámo-nos à entrada da casa-de-banho. Estava genuinamente distinto, de fato completo cinza-metalizado e gravata escura. Olhou-me, entreabriu os lábios bojudos e seguiu.
Nessa noite dormimos juntos. Descobrimos compatibilidades e afinidades de escrita. Planeámos projectos em conjunto, elaborámos uma fusão. Roubei-lhe umas personagens. Tinha-as muito bem delineadas e percebi que também ele era bem delineado e uma personagem, ou uma das suas personagens, porque foi vestir umas cuecas pretas, umas botas de cowboy beije, colocou um cigarro na orelha e foi-se pôr nesta figura em cima dos papeis que analisávamos, com a carne morena e as pernas de manequim cheias de vida, fazendo-me sentir demasiado vestido.
Django entrara no mundo laboral como house model no studio de uma fashion designer italiana, sedeada em Milão, num edifício de fachada amarela e de interior minimalista — chão em cimento, portas de vidro fosco e paredes brancas. Django vestia e despia protótipos como profissão e era apalpado por todo o staff, que verificava os ombros, os colarinhos, subia e descia botões. Mais tarde conheceu pessoas e percebeu que ganhava mais dinheiro acompanhando-as em roteiros de estilo e prometido requinte, audácia e intensidade. O estilo é sóbrio. A audácia é calculada.
Se o observarmos com uns binóculos de longo alcance, através de uma cortina transparente de um quarto de hotel, podemos vê-lo a dançar de botas e cuecas, em cima da cama, com os braços para cima, de mãos juntas e sovacos expostos. Estará a dançar sozinho ou com um amigo, eu por exemplo. Mas nunca faz um striptease para os clientes. Trata-os mal. Não aceita presentes, não faz programas de fim-de-semana. Não lhe pagam estadias. Não beija. É mau. É um duro negociador e os duzentos e cinquenta euros que lhe pagam por hora não incluem intimidades. Incluem uma leve percepção. A promessa adiada de um corpo revelado que se anuncia quente por baixo de uma camisa desabotoada nas primeiras casas.
Django é um teaser e adora mostrar as pernas. Dentro de um carro, seminu, na varanda, nos corredores de um hotel, numa discoteca obscura. Ontem juntava ao seu guarda-roupa favorito umas joelheiras pretas e uma t-shirt de alças. Estava no centro da pista de dança, electrizada, rodeado de zombies, e ondulava o corpo. Eu olhava-o nos olhos e nesse momento o som resvalou, desceu sobre a multidão como uma avalanche. Todos os sons juntos e distorcidos. O impacto causava surdez e loucura.
— Nuno Marques Mendes