A primeira finalidade dos aparelhos de mistura era tornar ininteligíveis as mensagens, sem código de mistura. Um outro emprego dos misturadores de discurso poderia ser impor o controlo do pensamento à escala das massas. Consideremos o corpo humano e o sistema nervoso como aparelhos de reconstituição. Um vírus tão comum como o da constipação poderia sensibilizar o sujeito e torná-lo capaz de reconstituir mensagens. Algumas drogas, tais como o LSD e Dim-N, poderiam também servir de meios de reconstituição. Aliás, os mass media poderiam sensibilizar milhões de pessoas a receberem versões misturadas da mesma série de dados. Lembremos que quando o sistema nervoso do homem reconstitui uma mensagem misturada, esta mensagem apresenta-se ao sujeito como ideias próprias suas que acabaram de lhe ocorrer, o que de facto aconteceu.

Tire-se uma carta da manga. Na maioria dos casos, não haverá suspeitas acerca da sua origem. Pelo menos é o que acontece com o leitor comum de jornais que recebe a mensagem misturada sem juízo crítico e pressupõe que esta reflecte as suas próprias opiniões independentemente formadas. Em contrapartida, o sujeito pode reconhecer ou suspeitar da origem exterior das vozes que literalmente irrompem do seu cérebro. Temos então a síndroma clássica da psicose paranóica. Uma pessoa ouve vozes. Podemos fazer ouvir vozes a quem quer que seja com técnicas de mistura. Não é difícil expor uma pessoa à mensagem realmente misturada podendo nós tornar inteligível uma qualquer parte dela. Podemos fazê-lo através de gravadores nas ruas ou nos carros, rádios e televisões manipuladas... se possível no seu próprio apartamento, senão num bar ou restaurante que ele frequente. Se não fala já sozinho, em breve o fará. Coloquemos o seu apartamento sob escuta. E agora é mesmo altura de ele ouvir a própria voz nas emissões de rádio e de TV e nas conversas dos estranhos que passam. Fácil como tudo, não é verdade? Não esqueçamos que a mensagem misturada é parcialmente ininteligível e que em qualquer caso ele lhe capta o tom. Vozes hostis de brancos reconstituídas por um negro trazer-lhe-ão à mente, também por associação, todas as ocasiões em que foi ameaçado ou humilhado por brancos. Indo um pouco mais longe, podemos utilizar gravações de vozes que ele conhece. Podemos voltá-lo contra os seus amigos por meio de mensagens hostis misturadas através da voz de um amigo. Isso trazer-lhe-á à mente todos os desentendimentos com esse amigo. Podemos condicioná-lo a amar os seus inimigos utilizando mensagens amigáveis misturadas pronunciadas por vozes inimigas.


William Burroughs, A revolução electrónica, 1971
Tradução de Maria Leonor Teles e José Augusto Mourão, Vega, 1994