Era raro vê-la. Era difícil tirá-la de casa. A sua imagem exposta nos meios de comunicação de massas era um logro. Mas era profissional. Nada transparecia. Uma cara impecável. Apesar de se notar alguma tensão nos músculos do pescoço, particularmente quando falava. Era o esforço de articulação das palavras. Mas aguentava-se, era uma questão de sobrevivência, não existia para lá do visível.
Quando se levantava não comia. Normalmente pegava na garrafa de gin e bebia enquanto assistia aos programas da manhã na televisão. Passado pouco tempo já se ria. Ria com prazer e sentia-se elegante, em cima do sofá, de joelhos, com as pernas de lado. Depois adormeceria de novo. Mas esta tarde não podia dormir: tinha filmagens. Abandonou a garrafa.
Era uma trabalheira: horas fechada num estúdio que teriam como resultado dez segundos de exposição. A altura em que ela sorria e dizia qualquer coisa que rapidamente esqueceria. Marta vivia para estes segundos, destes segundos. Estes segundos tinham-lhe moldado a vida. A princípio era mais tempo e pagavam-lhe menos. Mas agora ela era a cara, e isso tinha muito valor. Depois de recusas, seguidas de atribuladas negociações e uma breve depressão, conseguira o contrato actual, régio, e que lhe exigia a máxima exclusividade. Não podia fazer mais nada, mesmo as aparições públicas eram doseadas. De resto era-lhe pedido o rosto, o sorriso esgaçado e o nome. Já não precisava de actuar, só aparecia.
Nessa noite foi levada pela equipa de filmagens, para um restaurante. Não tinha fome. Pediu uma túlipa. Ria e falava, com o sorriso pendurado, derretido. Soltava frases inteligentes ou enigmáticas. As túlipas seguiam em linha recta. A cerveja exibia um dourado triunfal.
Mais tarde, na discoteca, Marta estava animadíssima. Já não precisava de beber mais. Poisou na pista de dança, entre claros e escuros que as luzes compunham, e sentiu a música. O ritmo cortado. O baixo a ressoar no coração, atravessando-lhe o corpo, espalhando-se pela sala, vibrando. O corpo perto de uma explosão, veias, músculos estalavam e até o vestido prateado que tocava nos joelhos era percorrido pelos graves violentos que saíam pelas colunas. E dançou. Dançou sem se lembrar que a seguir ainda tinha de ir para casa.
No dia seguinte levantou-se à hora do costume. Arrastou-se para o sofá e acendeu a televisão. Antes do meio-dia já tinha despejado a garrafa de gin e estava caída de costas. Ocasionalmente largava umas gargalhadas.
— Django