"Já notaram que figurar na capa da Time é receber o beijo da morte? A senhora Nhu apareceu lá quando o marido foi morto e o governo dela caiu. Verwoerd estava na capa da Time quando uma demoníaca serpente de fita magnética transmitiu a ordem para o matarem através de um correspondente deste jornal. Lia a Bíblia, era reservado, não tinha vícios, conhecem o género. De confiança, está lá tudo, é só ler.
Misturem-lhe portanto actualidades, peças televisivas, cotações da Bolsa, anúncios e transmitam na rua a sequência de zoadas transformada.
A imprensa underground representa a única oposição eficaz contra uma potência crescente e contra técnicas mais sofisticadas utilizadas pelos mass media do establishment para falsificar, desnaturar, citar fora de contexto, afastar como ridículo a priori, ou simplesmente ignorar e apagar para sempre: dados, livros, descobertas consideradas prejudiciais aos interesses do establishement.
Sugiro que a imprensa underground poderia desempenhar esta função bem mais eficazmente utilizando técnicas de cut-up. Preparem, por exemplo, cut-ups das declarações reaccionárias mais feias que se possa encontrar e rodeiem-nas com as imagens mais feias. Agora submetam-nas a tratamento disparates-baboseiras e ruídos animalescos e transmitam-nas na sequência de zoadas através de gravadores. Em cada número, edite-se uma página de mistura feita com as transcrições de um cut-up gravado de actualidades de rádio e de TV. Transmitam-se as gravações na sequência de zoadas antes que o jornal esteja nas bancas. Dá-nos uma sensação curiosa ver um grande título que tem estado a martelar-nos na cabeça.
A imprensa underground poderia acrescentar uma sequência de zoadas aos seus anúncios e fornecer um serviço de publicidade único. Intercalem-se canções pop com o produto, depois slogans publicitários e banalidades publicitárias de outros produtos e arrecadem-se as vendas. Quem duvidar do êxito destas técnicas que as ponha à prova. As técnicas que acabamos de descrever são utilizadas pela CIA e por agentes de outros países... Há dez anos faziam sistematicamente gravações de rua em cada bairro de Paris. Lembro-me do homem da Voz da América em Tânger e de uma sala cheia de gravadores e ouviam-se barulhos estranhos através da parede. Muito discreto, apenas um cumprimento à passagem. Não se deixava nunca ninguém entrar nesta sala, nem mesmo uma empregada. Claro, há muitos detalhes técnicos, tais como microfones direccionais de longo alcance. Quando se inserem no apelo à oração grunhidos de porcos, é melhor não se passear no mercado com um gravador portátil.
Um artigo de Richard C. French, que apareceu no New Scientist a 4 de Junho de 1970 (página 470) com o título As Artes Electrónicas de Não-Comunicação, fornece a chave de instruções técnicas mais precisas.
Em 1968, com a colaboração de Ian Sommerville e de Anthony Balch, peguei numa curta passagem da minha voz gravada e cortei-a em intervalos de 1/24 segundos numa banda-filme (esta é maior, portanto mais fácil de montar), em seguida mudei de posição todos estes pedaços de discurso gravado com 1/24 segundos cada um. As palavras originais ficam completamente ininteligíveis, mas novas palavras aparecem. A voz está lá sempre e podemos imediatamente identificar quem fala, O tom de voz também permanece. Se o tom é amigável, hostil, erótico, poético, sarcástico, morto, desesperado, isso nota-se na sequência transformada.
Não me dava conta nessa altura que utilizava uma técnica que existe desde 1881 — cito o artigo do senhor French — «Projectos de misturadores da palavra remontam a 1881 e o desejo de tornar ininteligíveis para terceiras pessoas as comunicações telefónicas e de rádio nunca nos abandonou desde então»... A mensagem é misturada na transmissão e reconstituída na recepção. Há muitos destes aparelhos para misturar o discurso a funcionar segundo princípios diferentes..."
[William Burroughs, A revolução electrónica, 1971
Tradução de Maria Leonor Teles, e José Augusto Mourão,
Vega, 1994]