[Émon. Exercícios de estilo. 1] Setenta e oito quilos de peso, um metro e oitenta e nove de altura. Um rapaz saudável, de vinte e dois anos, um rapaz normal de sorriso franco, não muito aberto, como quem abre a boca para inspirar depois de uma corrida, satisfeito. O rosto simétrico, a testa à mostra, as orelhas salientes, à mostra.

Um grupo. Nenhum dos elementos tem as orelhas à vista. É o que lhes dá força. Sentimos os seus olhos semicerrados cravados em nós, as orelhas tapadas, sentimos a violência a embater-nos na pele, a massacrar-nos os músculos. Seres bestiais. Melenas castanhas. O gang dos tatuados. Mas só um deles é tatuado, com um braço coberto de estrelas em três dimensões, o outro braço com cruzes e fitas, e animais míticos, que lhe sobem para o pescoço. E para o peito: se lhe retirarmos a t-shirt vemos os desenhos caprichosos que lhe envolvem os mamilos, descem para o umbigo, para a cintura, escondendo-se dentro das calças.

Olhares de emanações ferozes varrem o caminho, já despiram o tatuado que segue à frente, queimando pequenos ramos de árvores e folhas secas, caídas. Ao fundo está Émon, de sorriso franco, semi-surpreendido e orelhas ao léu. Um fato verde de algodão percorre-lhe o corpo. Estremece. Arrepia-se, agarra-se à pele. Já os olhares se cravam nele, forçando. O gang levará Émon: está muito desprotegido, muito exposto.

O gang entrega não-crentes-renitentes no Lugar das Percepções Líquidas. É essa a sua função. Mapeia os campos, provoca incêndios, descobre vulnerabilidades. Émon é entregue. Não oferece resistência. É levado, agarrado em todos os membros, amachucado o algodão verde. Deixado à porta do Lugar. Amarfanhado e são. Os músculos recuperam a elasticidade e o sorriso monta-se de novo, franco. Sai de cena o gang.

Entra Joé, envergando um fato de banho de natação, preto com bolas laranja, que lhe realça todas as formas do corpo, sobretudo as pernas, portentosas coxas de carne rósea. Serve uma bebida viçosa a Émon, por exemplo um batido de acelga e coentros, e orienta-o no lugar. Encaminha-o para a Acção. A Acção que se lhe oferece. A Acção que o seu fato verde de algodão inspira. Joé observa Émon. Atribui-lhe um Curso de Cura em Movimento. Um estágio de patologias posturais de carácter interactivo que desenvolve a reflexão, anatomia e fisiologia, estabelece perguntas experienciais.

Émon e o algodão verde enfrentam dois sujeitos vulgares, de ténis brancos e gangas azuis, que têm enfiada na cabeça uma máscara de latão com diversos orifícios. As vozes saem sufocadas e pinga transpiração, que atravessa os buracos, escorrendo ou caindo em gotas. Ou salpicos, ou chuveiros, quando se entusiasmam e falam demais. Possuem o hábito irritante de falar ao mesmo tempo, de coisas diferentes. São uns monitores desesperantes e já têm havido queixas motivadas pelo seu desempenho criativo. Tentam convencer Émon de que a Acção de Cura que enfrenta se trata de um laboratório, onde ensaiará colocar a sua intimidade em público e o público em si. O corpo, a fisicalidade, o sabor, os cheiros entendidos como uma oferta. A mística do tacto, a experiência da espiritualidade numa entrega e numa relação óptima com o exterior. Os monitores cuspinham outras atmosferas intensas, fundem os discursos num só, ali, em frente de Émon, incrédulo, percepcionando.

Encontram-se os três dentro de um cubo branco implantado na floresta multipresente, caminhando para dois, em função da fusão da parelha. Um corpo torna-se contentor do outro, respiram-se, a pele perde fronteira: o resultado é uma esfera de latão com furos, expirando e exsudando sempre. Como Acção é obra! Como Aprendizagem é nulo. Como Percepção é irritante.

Émon experimenta agora, portanto, um pensamento carregado de irritação. É um cão raivoso e mostra os dentes, assentes em robustos maxilares, enquanto é levado, apertado, pela Milícia Radical. Continua a ser-lhe diagnosticada uma renitência. Manifesta gravidade e indisponibilidade de tocar e relacionar informações sensoriais inscritas nos tecidos dos corpos, da interioridade e da exterioridade. Émon é mergulhado num contínuo eléctrico que opera a fusão do seu ser com o fato de algodão que o cobre. Já longe dos olhares públicos, afastada a Milícia, desinteressada de si, mas electrizada, enrolada em fardas negras.

Electrizado também Émon que, pulsando, procura uma vítima, deseja uma vítima. Que virá a ser Joé, que emite um calor que se materializa em vermelho, ondas de vermelho que o sinalizam e o trazem à presença imediata. As calças do fato verde expelem uma arma perigosa que se introduz na mão esquerda de Émon. A arma dispara uma carga agressiva que projecta Joé a grande distância, num voo, de pernas levantadas, estatelando as costas no pavimento, deslizando as carnes saborosas, torcendo membros, introduzindo-se num arbusto e aí ficando, como que devorado. Tecidos rasgados, poses eróticas.


Django