Hugo Canoilas, Thomas Kratz, Giannis Varelas
"Na vidraça há o ruído do diverso"
Fundação Carmona e Costa, Espaço Arte Contemporânea
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lote 1, 6º D
Quarta a Sexta, 13:00 - 20:00
19 de Setembro a 10 de Outubro de 2007


O título é retirado do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, que é também o ponto de partida para este projecto conjunto que transforma a presença no Espaço Arte Contemporânea da Fundação Carmona e Costa numa experiência desconcertante e assustadora. Hugo Canoilas espalha metros de papel pintado pelas quatro salas, operação de camuflagem que transfigura o espaço, cria um novo ambiente, define percursos, viagens cromáticas. Esta intervenção depurada é depois ocupada pelos três artistas com achados, desenhos sujos, ruídos, colagens de obsessões. Temos um gabinete de raridades, absurdos e excrescências.

Na viagem de descoberta não parece óbvio quem fez o quê, exceptuando a intervenção maior de Hugo Canoilas (porque é um construtor de espaços habitáveis). E talvez nem interesse e deve ser por isso que as obras não estão identificadas: porque iria interferir na deambulação e dar-lhe um carácter museológico. Mas o impulso para a catalogação é mais forte e corri logo a buscar a folha de sala.

Todos os elementos se relacionam familiarmente e poderiam ter sido realizados pela mesma pessoa. Mas não se tocam. A integridade de cada um não é ameaçada. A superfície que desenha o espaço só é objecto de fusão e inscrição na intervenção de Giannis Varelas. Thomas Kratz intervém no próprio espaço criado sem o sujar, encostando-se unicamente, habitando-o. Por isso dizer-se que Hugo Canoilas criou um suporte para os outros artistas intervirem terá de ser entendido no sentido espacial: o espaço é o suporte.

A exposição prolonga-se num livro, Mas o contraste não me esmaga, editado por Nuno Faria. É construído sobre um pedaço do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, numa edição da Assírio & Alvim. O pedaço que vai da página 49 à 144 é utilizado como suporte físico de textos que se sobrepõem ao texto original, é invadido por manchas de tinta, desenhos e colagens que escondem porções das aventuras de Bernardo Soares, tornando-as ainda mais fragmentadas, realçando alguns excertos, resultando numa viagem que acentua o efeito hipnótico da escrita.

Nuno de Almeida Lima