Dr. Gloss
por Django


É noite. Está escuro. Percorrem-se os corredores da casa, o chão de pedra, as paredes nuas, pálidas, em direcção às traseiras e encontra-se uma escada, também de pedra, que desce. O Dr. Gloss dirige-se ao andar inferior, que fica por baixo do consultório. É uma cave. Entra numa divisão, onde o chão continua a ser de pedra, clara, fria. Não há elementos decorativos: unicamente um cabide de pé alto e um cubo preto onde repousa um estojo preto. O Dr. Gloss tira o casaco, a camisa, as calças, a roupa interior, coloca tudo no cabide. Tira os sapatos, claro.

Está nu, no silêncio. Está em pausa. Parece não pensar em nada, parece ter o pensamento congelado. Está de pé. Rígido. O seu corpo tem a dureza e a cor do mármore. Os músculos desenham-se, subtis mas vincados. E se nos aproximarmos encontramos rasgões na superfície, feridas com a carne à vista, já seca, a pele levantada.

Num passo alcança o estojo preto e abre-o. Retira uma seta em metal maciço, brilhante. É comprida, tem uma ponta triangular, afiada, e termina em duas asas. Sente-se planar. Muito leve. Tem a seta em seu poder, apertada na mão, aperta-a depois com as duas mãos, passa o seu calor para o metal. Os pulmões e o cérebro enchem-se de ar, o olhar vagueia.

Desce a seta, encostada ao tronco, e detém-se perto da cintura. Sente o músculo lateral com a mão direita, sente-lhe a firmeza, a vida: a mão direita empurra a seta. A seta atravessa a carne, perfura lentamente, exacta, aparecendo no exterior mais adiante. Gloss respira mais rápido, nascem-lhe tremores, nos braços, nas pernas, no peito. Surge-lhe uma tontura e cai.

O corpo está caído sobre a pedra, indefeso. Um fio de sangue dá cor local.