Largo do Chiado, nº 8
Segunda a Sexta, 12:00 - 20:00
23 de Maio de 2008 a 25 de Julho de 2008

Curador: Ricardo Nicolau

"Um homem entre quatro paredes", 2008
Projecção vídeo, cor, som mono, sem fim
Dimensões variáveis

"O cancro esconde-se nos cantos", 2008
Paredes de Pladur, madeira













[Émon. Exercícios de estilo. 5] Na casa cubista todos os planos estão quebrados. Caídos ou deslocados. De todas as vistas se observam os alçados metidos num só. De uma vista vêm-se todas as vistas. E às vezes alguns interiores. Um plano horizontal passa a vertical e Émon estatela-se no cimento fresco, amachucando-se. Amassando o polo verde e as calças verdes, que logo readquirem a sua elasticidade e postura descontraída, mas o rapaz de sorriso sincero enche-se de feridas e marcas negras no corpo, particularmente nas articulações. Agarrado a um joelho, não refeito da queda, precipita-se na direcção do céu azul, cai por andares curvos rasgados de massas rectilíneas, por uma abertura curvo-rectilínea de paredes duras, suaves e macias, em direcção ao azul, rodando sobre si, queda alucinada completada na fusão de todos os elementos, uma superfície preta espelhada. Preto brilhante, brancos e cinzas, mas sobretudo escuridão. A meio do plano uma criatura despida sentada num cadeirão, de costas direitas, iluminada por detrás. A luz cai-lhe na nuca espalhando-se pelos ombros em gradações de cinzas, entregando realismo à extensão da pele, revelando poros, pilosidades amigáveis, composição muscular em rotundidades. A criatura tem o queixo assente no polegar, o rosto em sombra, os pés descalços no chão, a pose alheia. Uma criatura número dois desliza, impecavelmente despida, expondo uma barra tintada de preto a meio do corpo e a zona superior em branco espesso. A criatura número um ergue-se, deslizando em direcção à dois que a recebe e se encaixa nela soltando uma aberração pelo pescoço, perdendo a cabeça em espirais destroçadas multiplicantes, formações replicantes que preenchem o fundo negro com invasões brancas de geometrias irregulares.

A cor regressa em tons amarelos e laranja. Uma fornalha estelar apresenta-se a Émon. Radiações luminosas que não o cegam, pela frente passam planetas vermelhos que se destacam, possuidores de um halo nos seus limites. Émon está espatifado, apresenta equimoses ruidosas e laivos de sangue. Está caído e mexe-se com dor. À sua direita há um grande rolo de manteiga, estriado, que emite calor. Desloca-se e absorve-o. Brilhos de espelho partido, realidades difusas dispostas num plano que Émon atravessa estilhaçando — seios rosa de mamilos carnudos e vermelhos onde os lábios se colocam, olhos, papoilas, pétalas, quadrados justapostos de diferentes cores. Émon penetra distintos objectos, é penetrado por outros, numa sucessão que não tende para um fim, chicoteado por fragmentos, cores, lascas de madeira que lhe retiram a roupa e se fazem abrasivos na pele. Uma borboleta vermelha bate-lhe no rosto enchendo-o de pó. Uma animação de grande fisicalidade enche o espaço, afaga-lhe o corpo, a grande velocidade, imparável. São cores que o enchem de prazer. Um turbilhão. Não pára.

Continua. Sensações sucedem-se. Molhado. Viscoso. Chupado. Duro. Escuro. Aguçado. Inteligente. Émon é coberto por uma molécula húmida e cuspido para os braços da casa cubista, branca, possuidora de tentáculos rectilíneos e curvos que se abrem e fecham numa fresta de céu. O rapaz pegajoso atravessa a fenda e pousa no azul com estrondo, os membros num embate final, as nádegas esborrachadas, omoplatas sofridas, a cabeça afundada — salva amigavelmente. As mãos tocam a quietude. Uma perna ergue-se, flectida no joelho, possibilitando à planta do pé e dedos sentidos pacificadores. Descontracção assistida espalhada a todo o ser. Sorriso vencedor. Émon alonga-se, espoja-se, sente-se invadido por uma vegetação rasteira que o massaja e festeja, entrando-lhe nos sovacos, nas orelhas, na cabeça descendo para a testa. Nas pernas, no abdómen, no peito. As mãos sentem-no, percorrem-no. Um mamilo, uma coxa. A vegetação à sua volta e debaixo de si. Uma respiração funda. Uma brisa. Um raio de sol.


Django













Caros leitores, mudemos de programa. Sejamos adultos. E sejamos imaginativos. Avancemos de peito aberto. E sobretudo não compliquemos: novo paradigma económico? regresso da política? macro-regulação? Falta aqui um toque de caos e de vida — tenho de admitir que gosto deste ambiente apocalíptico de final de civilização que nos vem seguindo, os choques petrolíferos que deixam a economia planetária virada do avesso, os carros à beira da estrada sem gasolina e a revolta a generalizar-se. A Banca a falir levando tudo de arrastão: a macrocefalia, o dinheiro do petróleo, tudo virado do avesso de novo.

A mãe do apocalipse: a ruptura do equilíbrio geoestratégico, a emergência de novas polaridades: novos entusiasmos, novos antagonismos, os novos wannabes globais, a força do embate de civilizações. São tempos efervescentes. O futuro desenrola-se com mais propriedade e realidade. O mundo heterogeniza-se. As sociedades transformam-se, deixam-se contaminar, adaptam-se a novas situações. Quem quer o passado de volta? O passado burguês, chato e sossegado.

As sociedades podem elevar-se em formas extraordinárias. Podem admitir e admirar novos centros de poder. Novas periferias de poder. Poderes públicos, económicos, intelectuais, civis, rivalizando entre si, concorrendo com serviços similares, partilhando a ribalta. Protagonistas de igual direito. Administrações públicas alternativas, financiadas por empresas. Estados dentro de Estados. O poder fragmentado. Regresso à política, pode ser — mas a política alargada a toda a sociedade e não a tradição unívoca estatal. Regulação — independente, privada, socializada, tanto faz — micro-regulação ágil, não intrusiva, não limitadora, mas fiscalizando, escrutinando todos os poderes, em todas as frentes, devidamente descentralizadas. Pensem nisto.































Gonçalo Sena, Diogo Evangelista
"I used to be indecisive... now I'm not so sure."
Alecrim 50
Rua do Alecrim, 50, Lisboa
Segunda a Sexta, 11:00 - 19:00
Sábado, 11:00 - 13:30, 16:00 - 19:00
27 de Maio a 28 de Junho de 2008



[Fotografias: 1 e 2 Diogo Evangelista, 3, 4, 5 e 6 Gonçalo Sena. Direitos reservados.]